Conforme apresenta o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o debate em torno do tráfico privilegiado tem ocupado lugar central na jurisprudência criminal brasileira, especialmente quando envolve a fixação do regime inicial de cumprimento de pena e a possibilidade de substituição por sanções alternativas. Em um caso, o desembargador apresentou um voto divergente, defendendo que o tráfico privilegiado não deve ser tratado como crime hediondo.
O caso analisado envolvia o réu, condenado por tráfico de drogas após a apreensão de maconha e crack em sua residência. O desembargador, relator do processo, reconheceu que o acusado preenchia todos os requisitos do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, o que permitia a redução da pena, a fixação do regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por medidas alternativas. Entenda mais a seguir:
O entendimento do desembargador sobre o tráfico privilegiado
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho sustentou que o tráfico privilegiado possui natureza jurídica própria e deve ser tratado de forma diferenciada do tipo penal previsto no caput do artigo 33 da Lei de Drogas. Para ele, quando o réu é primário, possui bons antecedentes e não integra organização criminosa, a causa de diminuição prevista no §4º transforma a estrutura da infração, afastando a sua equiparação com os crimes hediondos. Essa leitura visa proteger o princípio da individualização da pena.

Segundo o magistrado, o tráfico privilegiado deve ser compreendido da mesma forma que o homicídio privilegiado, que também deixa de ser hediondo quando presentes certas circunstâncias atenuantes. Ele destacou que impor, nesses casos, o regime fechado de maneira automática fere os direitos fundamentais do réu, especialmente quando este não apresenta periculosidade social. Com base nisso, o desembargador fixou o regime inicial aberto, fundamentando sua posição em doutrina e jurisprudência garantistas.
Fundamentação jurídica e defesa da substituição da pena
Além de defender o regime mais brando, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho também considerou cabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Embora o §4º do artigo 33 contenha uma vedação expressa à conversão, o magistrado entendeu que essa proibição é inconstitucional por ter caráter abstrato e genérico, violando o princípio da individualização da pena. Essa interpretação visa garantir que cada caso seja avaliado à luz das circunstâncias específicas do réu.
Na prática, o desembargador determinou a substituição da pena por duas sanções alternativas: prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. Ao fazer isso, demonstrou compromisso com uma política penal que prioriza a reabilitação em vez do encarceramento automático. O voto evidencia que o magistrado compreende a gravidade do tráfico de drogas, mas também reconhece que há diferenças importantes entre os perfis dos envolvidos que devem ser consideradas.
Divergência no colegiado e repercussão do voto vencido
A posição do desembargador Alexandre Victor de Carvalho não foi acompanhada pela maioria da 5ª Câmara Criminal. A desembargadora, relatora para o acórdão, concordou com a aplicação da redução de pena e com o regime inicial aberto, mas rejeitou a substituição da pena privativa de liberdade. Em sua visão, a vedação legal prevista no §4º do artigo 33 deve ser respeitada, sendo possível apenas a concessão do sursis, que foi efetivamente aplicado ao caso.
Já outro desembargador adotou uma postura mais restritiva. Ele reconheceu o privilégio, mas manteve a natureza hedionda do tráfico, defendendo a obrigatoriedade do regime fechado. Para ele, mesmo a causa de diminuição não descaracteriza o enquadramento do delito como equiparado a hediondo. Essa divergência revela o embate doutrinário que ainda marca os tribunais brasileiros quanto à aplicação da Lei de Drogas e os limites do poder punitivo estatal.
Em suma, o voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo de apelação criminal nº 1.0471.07.083554-4/001 representa uma contribuição relevante ao debate sobre o tráfico privilegiado e seus efeitos penais. Sua posição reafirma que a justiça criminal deve considerar as circunstâncias concretas de cada caso, respeitando os direitos fundamentais do acusado. Em tempos de punições automáticas, interpretações como a do desembargador são essenciais para garantir uma justiça penal democrática.
Autor: Mibriam Inbarie